Acredito que as mudanças certas {e normalmente as mais drásticas}, são aquelas para as quais não há alternativas viáveis.
Mudar de vida a fundo, num processo que implica sofrimento para o próprio e para outros, não é uma bifurcação com dois caminhos possíveis. Não é o mesmo que escolher entre vários pratos numa ementa, entre dois destinos de férias, sequer entre dois empregos possíveis.
As mudanças que implicam dor {tantas vezes as mais transformadoras}, não são uma decisão, mas uma estratégia de sobrevivência. São aquelas que, apesar do sofrimento que implicam, têm o poder de nos salvar de uma asfixia lenta e tantas vezes invisível, que nos vai apagando silenciosamente por dentro, mesmo que aos olhos dos outros estejamos a cores.
Mudar drasticamente {num processo que se quer consciente, é dessa mudança que falo}, não nos deixa margem de manobra. É como se fosse o fim de uma linha comprida que já não tem volta atrás, mesmo que o retorno à casa de partida pareça o mais confortável e o mais aliciante numa leitura em diagonal.
Mas já é tarde demais. O caminho está feito, as dores de parto deste nosso renascimento estão lancinantes, o medo de saltar é, apesar de tudo, menor que a dor de cristalizar.
Entretanto, as alternativas já se fecharam. As portas atrás de nós estão encerradas e há pequenas janelas que à nossa frente se abrem de par em par. Há luz que entra e que nos aquece o rosto e os olhos ainda fechados. Sente-se uma ligeira aragem. Um arrepio percorre-nos a pele, de medo e de excitação. Erguemo-nos devagar para o abismo. Em pontas dos pés. Atrás de nós ouvem-se vozes furiosas. Palavras indistintas, já desprovidas de sentido. Frases desconectadas de nós, como num sonho.
Já não olhamos para trás. O corpo saiu do solo e está a planar por cima do buraco negro.
Mergulhamos com a única rede possível: a certeza de que não queremos morrer.
Às vezes perguntam-me como consegui mudar de vida. Como tive coragem de sair de um casamento com três filhos pequenos e recomeçar.
A resposta está dada.
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